quarta-feira, 25 de abril de 2012

Cotas - DCE relembra a aprovação na UFSM

No dia em que o STF julga a constitucionalidade das cotas raciais, o DCE da UFSM relembra a aprovação das cotas na UFSM, e que este debate na Universidade é hoje um debate superado, onde o que devemos pressionar é pela qualidade das ações afirmativas, propondo políticas para a permanência dos estudantes cotistas.

Em 2007, após ampla discussão com os estudantes (o Congresso Estudantil de 2006, Assembleia Geral e duas reuniões do Conselho de Entidades de Base), a bancada do DCE, indicada pela Gestão Em Movimento (2006-2007) votou favorável ao Programa de Ações Afirmativas da UFSM. Os 10 votos do DCE foram fundamentais para empatar a votação, que foi definida com voto de minerva do reitor. Hoje, após cinco anos daquela decisão, vemos uma universidade com mais plural, porém ainda falta muito para qualificar o Programa.

Votação que aprovou as Cotas na UFSM - Foto: DCE/UFSM

Militantes do Movimento Negro comemoram decisão do CEPE. Foto: DCE/UFSM


Segue o texto de Anderson Machado, ex-coordenador-geral do DCE UFSM e mestre em geografia.

Ações Afirmativas: A Vanguarda na luta Contra o Racismo 

por: Anderson Luiz Machado dos Santos 

Dentre a atual população brasileira, cerca de 45% dos habitantes concederam-se afro-descendentes, compondo uma massa em tordo de 70 milhões de pessoas, segundo dados do IPEA. Em toda trajetória estabelecida pelos ditames do estado brasileiro, essa massa que hoje é a maior representante da tragédia social vigente no Brasil, teve como podemos observar, seus direitos relegados. Ainda que não se tenha estabelecido no Brasil um Apartheid explícito como na África do Sul e EUA, estabelecendo-se uma segregação assegurada por leis, nosso apartheid foi e é ainda pior. A ideologia que nos é imposta, faz com que os indivíduos escondam dentro de si, o preconceito, negando-o de forma veemente em seu discurso, mas que acabam por derrubá-lo rapidamente quanto observamos suas ações vis, conservadoras e discriminatórias. 

Podemos confirmar essa visão perante dados recentes que apontam, que dos 22 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza, 70% são negros; dos 53 milhões que vivem na pobreza, 63% são negros; a classe média de nosso país, é composta por apenas 3% de negros; a taxa de desemprego entre negros, é 45% maior do que entre não negros; nas regiões metropolitanas de São Paulo, Bahia, Rio Grande do Sul e Distrito Federal 50% dos desempregados são negros. Analisando em específico o caso de Salvador, o número sobe para 86,4%5. Na educação, os dados não são menos excludentes comparando a margem de analfabetismo, o PNAD-2004(Plano Nacional de Amostra por Domicílio) indicou um índice de 36% entre a população negra e parda e 18% entre os brancos. Entre as mulheres negras esta taxa é ainda maior, chegando a ter o dobro da taxa entre as mulheres brancas, onde do total de mulheres negras, maiores de 5 anos de idade, 33,1% são completamente analfabetas e entre as mulheres brancas este percentual é de 18,5%. 

O PNAD também indica que apenas 2% dessa população em acesso ao ensino superior [1]. As comunidades quilombolas remanescentes, espalhadas pelo interior de nosso país sobrevivem de forma miserável, tendo muito pouco acesso à educação, trabalho e cultura. Não precisamos ir muito longe para verificarmos essa realidade aqui em Santa Maria existe a comunidade remanescente do Quilombo da Palma, em cerca de 13 famílias, que aglutinam uma população que fica em torno de 80 pessoas, sentem em seu cotidiano a exclusão, sendo obrigadas a trabalhar de informal nas grandes propriedades rurais da região ou da mesma forma nos setores da economia urbana, tento por todo esse processo sua cultura e seu valores marginalizados e por fim constituindo a grande massa expropriada das formas de sobrevivência socialmente dignas. 

Um estudo realizado em 2000, pelo departamento de economia da ufrj, apresentado no II Fórum Global sobre Desenvolvimento Humano da ONU, mostra que no momento em que o Brasil ocupava o 740 lugar no ranking do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) mundial, quando se analisa separadamente esse índice por cor, verificamos que entre os brancos o índice sobe, levando o Brasil 480 lugar no ranking, já entre os negros, cai drasticamente levando o Brasil a 108a posição. Sob todas essas contradições, torna-se inegável a luta por ações que busquem transformar essa realidade excludente imposta aos negros. Na vanguarda desse movimento, surgem as ações afirmativas como forma mais avançada no combate ao racismo, no Brasil. Essas ações têm sua gênese na Índia, logo após o fim da Primeira Guerra Mundial, em 1919, quando o membro da Casta Intocável, o jurista, historiador e economista Bhimrão Ranji Amdadkar, propõe pela primeira vez políticas públicas diferenciadas, protegidas por lei, em prol da igualdade para todos os seguimentos sociais. Até mesmo Gandhi, se opôs a esses ideais, pois as ações poderiam desencadear conflitos, podendo levar a uma guerra civil. Somente mais tarde durante a Guerra Fria, quando a URSS, denuncia as desigualdades raciais existentes no EUA, geradas pelas políticas do New Deal, sob o estado de bem-estar-social, implementado por Rooseveld, é que a temática das ações afirmativas ou positivas voltarão à tona na sociedade mundial. 

Na década de 60, o Movimento Negro norte americano protagonizou a lutas nesse sentido, tendo sua a primeira vitória em prol dessa causa, com a aprovação pela ONU em 1965 da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Preconceito, ratificada em 1968, com a participação de 167 estados, inclusive o Brasil. Com a convenção, define-se como preconceito racial, qualquer distinção de exclusão, restrição, ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou ética, que tenha o propósito ou o efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento, o goza ou exercício em pé de desigualdade dos direitos humanos e liberdades fundamentais. Desde a sua gênese, até o presente momento, as ações afirmativas têm como objetivo, ...além da concretização da igualdade social, introduzir transformações de ordem cultural, pedagógica, aptas a substituírem do imaginário coletivo, a idéia de supremacia e de subordinação de uma raça em relação a outra, de homem em relação a mulher.[2] Assim, para compreendermos as perspectivas trabalhadas pelas ações afirmativas, necessitamos compreender o conceito de igualdade adotado pelas mesmas. 

Sob a concepção liberal burguesa extraída da sociedade iluminista racionalista do século XIX, hegemonizou-se um conceito de igualdade estático, extremamente formalizado, em que todos seriam iguais perante as leis. Ou seja, um conceito meramente jurisdicional. Ainda sob, sob essa concepção, mais recentemente com a instituição do estado de bem-estar-social, criou-se um conceito de igualdade dinâmica, apontando para uma igualdade menos formal, e mais concreta, substancial e material, onde as desigualdades seriam avaliadas e punidas de forma semelhante. Em meio às transições da concepção liberal burguesa, surge o conceito mais avançado de igualdade, a igualdade de oportunidades, forma pela qual se chegaria a igualdade material. Compondo a verdadeira face para o fortalecimento e ascensão social dos grupos sociais oprimidos. 

Logo, agora agir afirmativamente significa, contribuir para o desenvolvimento social e para a transformação da ordem social de uma nação, via o fortalecimento de classes minoritárias. Dentro dessa visão mais avançada, as ações positivas podem ser definidas como: Políticas públicas ou privadas voltadas à concretização do princípio constitucional de igualdade material e a neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e d compleição física..elas visão combater não somente as manifestações flagrantes de discriminação, mas também a discriminação de fato, de fundo cultural, estrutural, enraizada na sociedade. (Gomes,J.B,2005 apud Ministério da Educação,2005) 3 Neste sentido, tornam-se medidas especiais e temporárias que, buscando remediar um passado discriminatório, objetivam acelerar o processo de igualdade, com o alcance da igualdade substantiva, por parte de grupos vulneráveis, as minorias étnicas e raciais, as mulheres, dentre outros grupos. Enquanto políticas públicas, elas cumprem uma finalidade decisiva para o projeto democrático de sociedade, que é a de assegurar a diversidade e a pluralidade social. 

Constituem medidas concretas que viabilizam o direito a igualdade, com a crença de que a igualdade deve se moldar no respeito à diferença e a diversidade. Porém, para que essas medidas obtenham êxito é necessário a criação de mecanismos. No histórico das ações afirmativas, o mecanismo que teve maior expressão, foi o da criação de reservas ou cotas, também um de seus pontos mais criticados. No Brasil desde a redemocratização do país, o movimento negro vem buscando superar seu próprio discurso, buscando não mais meramente denunciar as mazelas sofridas por esta parcela da população, mas sim apontar para a construção de verdadeiras políticas que visem reparar toda exploração sofrida ao longo de nossa história e ainda existente no presente, para contrapor as teses míticas de invenção de liberdade, igualdade e democracia racial. Assim, reparar e amparar essa população, é dever do estado, que foi complacente, ao processo de exploração do negro enquanto força motriz par a sustentação de uma elite política e econômica brasileira, inspirada nos moldes de uma sociedade européia, reproduzindo seus valores, mas que tem como empecilho para sua legitimação uma massa negra, que não só identifica-se enquanto povo brasileiro, mas como agente social, fundamental para construção das bases de nossa sociedade. 

 ____________ 1. Dados retirados do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio Econômicos), PED (Pesquisas de Emprego e Subemprego) e IBGE (Instituto brasileiro de Geografia e Estatística) ­_________________ 2. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Ações Afirmativas e Combate ao Racismo nas Américas. Brasília: Cdu, 2005. 3.id.