Artigo publicado no Diário de Santa Maria em 11 de Abril de 2010
A Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) está repensando o processo de ingresso. Historicamente, o Programa de Ingresso ao Ensino Superior (Peies) tem sido apresentado como alternativa que promove a democratização do acesso. Contudo, este não aumentou o número de vagas. Também desconheço indicadores sobre um acréscimo no ingresso, particularmente em cursos de maior prestígio social e econômico, de estudantes oriundos de famílias de menor poder aquisitivo. Minha reflexão focaliza impactos desse programa no Ensino Médio, transformado em um curso de preparação para provas, muito próximo dos cursos pré-vestibulares.
Etimologicamente, currículo significa caminho. A avaliação seriada tem, no caso do Peies, induzido a um currículo seriado, fragmentado, transformado em “camisa-de-força”. Currículo único, caminho único. Só há um ponto de chegada: a universidade. Contudo, inalcançável para a maioria. Como resultado, a internalização de um sentimento de fracasso. A desconsideração de outros caminhos, de outros sentidos, é altamente desmotivador.
Na dinâmica do Peies, a separação entre conceber e executar ficou cristalizada. Alguns poucos pensam, concebem o currículo, as intencionalidades (competição), enquanto que outros (professores) devem executá-lo. Nesta lógica, o professor pode ser comparado ao Chaplin do filme Tempos Modernos. Repete, ano após ano, o mesmo programa, significando a morte da criatividade.
O discurso da democratização, sustentáculo retórico do programa, talvez esteja ocultando um processo de elitização. Uma maior igualdade, enquanto ponto de chegada, somente é possível com um trabalho diferenciado para os desiguais. Na lógica do Peies, para os desiguais, um currículo igual. Um currículo padrão, alheio às realidades dos sujeitos, privilegia os privilegiados economicamente, cujo contexto familiar está mais próximo da cultura exigida nessas avaliações seriadas.
Proponho que, com uma efetiva participação da comunidade, o processo de ingresso na UFSM seja repensado. A universidade poderá passar a ser indutora de currículos vivos, potencializadores de criatividade e autonomia. A reafirmação das avaliações seriadas continuará induzindo submissão, sinalizando um caminho bastante inóspito para a maioria dos estudantes.
DÉCIO AULER|Professor do Departamento de Metodologia do Ensino da UFSM
Fonte: http://www.clicrbs.com.br/dsm/jsp/default.jsp?uf=1&local=1§ion=41&action=noticiasImpressa&id=2867744&edition=14472