Nesta última semana passamos por
uma tragédia que com certeza ficará marcada na história de nossa cidade que gerou muitas
perdas e sentimento de dor. Nos primeiros momentos nos dedicamos ao auxílio
possível aos familiares e amigos das vítimas e também às dores que carregamos.
Passados três dias, pelo conjunto das
circunstâncias impostas e os últimos acontecimentos e pelas demandas que
teremos que enfrentar, a gestão Vozes Em Movimento vem a público manifestar
opinião sobre algumas questões:
1. Acreditamos que os assuntos de
maior prioridade são os que envolvem os estudantes e familiares. É necessária
uma ampla rede do sistema público em geral e das universidades para amparo e
acompanhamento psicossocial. É ainda necessário que as universidades, em
especial a UFSM, flexibilizem pontos como avaliações e presença assim que as aulas sejam retomadas. É importante
também que todas as famílias tenham auxílio ao que precisarem. Também esperamos
o máximo de dedicação às questões que dizem respeito à superação destes danos
irreparáveis. Registramos o empenho que temos visto de todos os segmentos da
universidade e de sua gestão em superar isso. Reiteramos a todos e todas que
inalaram fumaça no dia da boate que procurem atendimento e observação, pois
podem existir consequências não imediatas, porém graves.
2. Exigimos que justiça seja
feita. A comunidade clama para que os responsáveis por essa atrocidade sejam
responsabilizados. Acreditamos ainda que é importante que o inquérito defina
essas questões porque infelizmente a grande mídia de nosso país procura
substituir os órgãos judiciais, e já demonstra querer blindar alguns possíveis
responsáveis. Essa investigação deve ser a mais profunda possível e
irrestritamente identificar todos os responsáveis. As famílias e a comunidade
não merecem que este seja mais um capítulo de uma cultura de impunidade presente
no Brasil que protege os poderosos e geralmente joga as responsabilidades aos
trabalhadores e trabalhadoras que executam suas ordens. Reivindicamos ainda que
a UFSM, por ser uma das instituições mais afetadas, disponha um de seus técnicos
do corpo jurídico para acompanhar integralmente as investigações.
3. Acreditamos que o acontecido
se relaciona com a necessidade que nossa cidade, com alto contingente
juvenil, tem de oferecer espaços públicos de cultura e lazer. Infelizmente, não é
de hoje o domínio do setor comercial sobre os bens culturais e os espaços de
lazer no município. Além disso, nos últimos anos diversos espaços públicos
deste caráter foram fechados ou interditados e condenados, cita-se como
exemplos: o Centro de Atividades Múltiplas (Bombril), a concha acústica do
Itaimbé e a praça do “Brama”. Vale registrar que nesses e em casos semelhantes
não existiu esforço do setor público para viabilizar a utilização destes espaços, mas, sim, apenas decretos de fechamento. O direito ao lazer e à diversão tem ficado a mercê do mercado e sua desordem
natural, ocasionada pela lógica da lucratividade. Temos que a partir de agora
refletir sobre o que queremos para nossa cidade e para a juventude que merece
espaços de lazer seguros, de qualidade e públicos. Diante disso, nós, do DCE-UFSM, sugerimos que seja construído um memorial em homenagem aos nossos colegas na
universidade e que este seja uma concha acústica para representar aqueles que
se foram com o direito de outros estudantes terem acesso de forma gratuita, num lugar
aberto e que possibilite cultura e
integração.
4. Repudiamos o argumento de
defesa que o prefeito de nossa cidade tem utilizado afirmando estar cumprindo
seu papel de fiscalizador, tendo em vista que há três semanas havia fechado a boate
do DCE. Acreditamos que todas as boates devam ser fiscalizadas. Contudo,
salientamos que a boate do DCE, que é um espaço público de lazer, sofreu
fiscalização rigorosa e está em reformas por problemas de outras ordens que
não segurança. Talvez esse espaço seja aquele com mais saídas de emergência da cidade e com menor
risco de incidentes do tipo, por ter somente no salão principal 4 saídas e seu
isolamento é feito com tijolos e não espuma. Temos, sim, que obedecer as leis e
estamos em conjunto com a UFSM
promovendo todos os ajustes necessários. Entretanto, nossos problemas não são nem perto semelhantes
aos da Kiss ou a de outros estabelecimentos comerciais da cidade, que não
tiveram até então o mesmo rigor de fiscalização, que nos parece seletiva com
pesos diferentes aos espaços públicos e
aos privados.
5. Registramos nosso descontentamento com o tratamento sensacionalista
que a grande mídia tem dado a essa tragédia. Tem-se usado a dor de inúmeras
famílias e milhares de amigos e colegas como uma potente fábrica de lucros no
mercado da informação. Sabemos que o papel dos meios de comunicação é informar,
mas tivemos nos últimos dias a triste oportunidade de ver por parte de algumas
emissoras absurdos desrespeitosos com a dor de familiares e amigos na busca desenfreada da maior pontuação de audiência.
6. Muitos de nossos colegas e
amigos tiveram óbito porque não tiveram acesso ao tratamento necessário nos
hospitais, não por falta de profissionais e voluntários, mas por falta de
estrutura de equipamentos e medicamentos. Santa Maria é responsável pelos
atendimentos de média e alta complexidade na região. É importante que uma das
lições desse processo seja o atendimento de saúde pública como prioridade do
poder público. Não foi esta a primeira vez que perdemos entes queridos por não
ter acesso a saúde pública de qualidade. Os governos têm essa responsabilidade.
Por último, pedimos que todos em
nossa universidade e cidade se unam para que possamos auxiliar os que sentem
mais dor. Os danos são irreparáveis, mas precisamos superar nossas dores aos
poucos, honrando os que se foram, levando a frente os sonhos e projetos
compartilhados. Além disso, é preciso lutar para que a memória trágica que
temos se transforme em garantias de que situações como essa nunca mais se repitam.
Há braços,
Gestão Vozes Em Movimento, DCE
da UFSM - Em LUTO
Uma parcela de milhares que
ainda não entendem ou aceitam a dor que sentem!